BERLIM O ator Ralph Fiennes (o Voldemort da franquia “Harry Potter”) veio a Berlinale mostrar o seu primeiro trabalho de direção em cinema. Para debutar, ele não poderia ter escolhido tema mais difícil: adaptar para os dias de hoje a difícil peça “Coriolanus”, de William Shakespeare.
Coriolanus era o maior herói de Roma, mas, por demonstrar ambição e desprezo pelo povo, acaba causando uma revolta e sendo banido. Ele resolve então se juntar ao inimigo, Tullus Aufidius, que jurou se vingar da cidade.
Ralph Fiennes interpretou Coriolanus em 2000, na versão tradicional da peça, em Londres. “Embora fosse uma peça densa e difícil na sua forma, eu pensava que a narrativa possibilitava naturalmente ser convertida em filme e aquele pensamento permaneceu e se desenvolveu na minha cabeça”, contou Fiennes, durante a coletiva de imprensa.
Embora a ideia da adaptação tenha partido do ator/diretor, o roteiro foi escrito por John Logan, de “Gladiador” (2000) e “O Último Samurai” (2003). Logan diz que ambos enxergavam a adaptação da mesma forma, de que eles não gostariam de fazer uma “peça de museu”, mas fazer a história ser acessível ao público contemporâneo. “Shakespeare tinha uma linguagem difícil e muito específica do teatro. Meu maior trabalho foi pegar isso e adaptá-lo com a mesma força dramática para o cinema”, explica-se o roteirista.
Trazendo a trama para os dias de hoje, mas sem facilitar sua linguagem, Fiennes realizou uma alegoria política dos tempos atuais, mostrando que a crítica que Shakespeare fazia é válida até hoje. A manipulação do povo pelos governantes, a mudança de opinião de ambas as partes, os interesses pessoais e as traições ganham força no roteiro.
Filmado na Sérvia e em Montenegro, a transposição da peça para a era contemporânea evoca imediatamente os conflitos da ex-Iugoslávia, mas a a produção tem maior alcance que o meramente geográfico. Fiennes realiza em Coriolanus um delírio artístico que poucos entenderão.
Assim como pode ser aplaudido pela ousadia, facilmente poderá ser chamado de megalomaníaco e virar motivo de chacota. A imprensa aplaudiu, mas não deixou de rir no momento do filme em que ele “ressurge das cinzas” cabeludo, para se juntar ao inimigo. Aquela cabeleira sim, deveria ser suprimida.
A verdade é que estão todos muito bem. Gerard Butler (o Leonidas de “300”) de volta às suas raízes teatrais, um Brian Cox perfeito e Fiennes, em especial, à vontade num papel que conhece de cor dos palcos. Mas, sobretudo, o grande destaque é uma Vanessa Redgrave imperial no papel da matriarca ambiciosa, que compreende tarde demais o monstro em que ajudou o seu filho a se tornar. Só a sua assombrosa interpretação valeria o ingresso.
Durante a entrevista, a veterana atriz era só elogios para a estreia do ator na direção: “Desde o começo, sempre confiei nele e no que ele estava fazendo. Este sentimento era geral na equipe”.
Ralph Fiennes arriscou e petiscou uma boa estreia na direção e ainda contou com a colaboração de dois premiados por “Guerra ao Terror”: a excelente direção de fotografia de Barry Ackroyd e o exímio trabalho de som de Ray Beckett, que podem garantir presença no Oscar do ano que vem. Mas o primeiro reconhecimento poderá vir ainda neste Festival de Berlim.